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luís soares

Blog do escritor Luís Soares

Anjos e crianças.

Estava há pouco a ver o "Boston Legal", uma das séries mais bem escritas de sempre. Não vou falar do William Shatner que se anuncia (Denny Crane!) um pouco como o líder dos Decepticons (Megatron!) fazia no primeiro filme dos "Transformers", o menos péssimo. Sim, é um trauma.

Reparei no Henry Gibson, actor que faz de juiz Clark Brown e lembrei-me de uma frase que a sua personagem no Magnolia (Thurston Howell) tinha: "It is a dangerous thing to confuse children with angels!", frase que um amigo me repetia com alguma frequência quando descobrimos que ambos gostávamos do filme.

Esta lembrança levou-me de volta a esta notícia que tem mais de dois meses mas não deixa de me impressionar. Só agora, contudo, reparei que acima da imagem que a ilustra (um pormenor renascentista do que calculo que seja um anjo com um alaúde) se encontra a legenda "Fotografia", quando é óbvio que não se trata de tal.

Tudo isto me leva ao que ando a alinhavar, sobre um fotógrafo, sobre famílias e a sua natureza. Decidi vir fazer este post depois de escrever a frase: "Considerou a hipótese de estar a enlouquecer e o pensamento reconfortou-o como um destino a que finalmente se chega depois de uma dura viagem, uma casa escura na noite."

Talvez seja só isso.

A Rainha no Palácio das Correntes de Ar.

É oficial. Não há mais Stieg Larsson para ler. Acabei ontem por volta das duas da manhã, as 715 páginas de "A Rainha no Palácio das Correntes de Ar" e além das inevitáveis olheiras, o síndrome de abstinência instalou-se bem instalado.

É verdade que thrillers, policiais, livros de espionagem há muitos, uns mais, outros menos inteligentes, uns mais outros menos bem escritos. Fui cliente de gente como o Frederick Forsyth e ainda sou do Le Carré, gostei dos filmes do Bourne e ando a pensar ler os romances originais do Ludlum. Em termos de "blockbusters" literários, nunca ferrei os dentes na saga da senhora Meyer sobre vampiros, mas li os Harry Potters todos e dois Dan Browns (estes últimos para poder dizer mal informadamente, confesso).

O Stieg Larsson segue algumas convenções do estilor policial-espionagem-thriller-blockbuster, com múltiplas linhas de acção cruzando-se, reviravoltas, revelações, intriga, lutas corpo a corpo ou com armas variadas, muita tecnologia pelo meio, etc. etc. Tem algumas qualidades não desprezíveis dentro do género e algumas que lhe dão credenciais do lado da literatura: as personagens, os seus ritmos e motivações são bem construídos, com tempo, sem incoerências muito maiores do que as que são naturais ao ser humano, com qualidades e defeitos. Como é natural os "maus" têm mais defeitos que qualidades, mas os "bons" não são propriamente "fáceis".

Nos três livros publicados, o tempo de introdução é longo, as situações e as personagens que nelas se movem são delineados com cuidado para que tudo possa resultar mais à frente e o vício da leitura instala-se facilmente. É interessante, dir-se-ia quase um trabalho jornalístico de investigação sobre pessoas que não existem.

A isto tudo some-se uma coerência temática notável. O tema é o "abuso de poder" que vai da unidade familiar nuclear, da situação mais íntima, ao estado e às suas instituições. Já falei aqui sobre o facto de existir um lado "cyberpunk" nisto tudo. Se alguém quiser fazer uma tese de Ciência Política sobre como a trilogia Millennium aborda uma certa imagem da Europa Social e das suas hipocrisias, força.

O problema é que o Stieg Larsson morreu. Não há mais. Eram supostos ser dez volumes e ficámos por três. Vai haver filmes, é certo, mas mais calhamaços com as desventuras da Lisbeth, Mikael e restantes, só se alguém pegar no fio à meada, facto não inaudito, mas não necessariamente aconselhável.

Quem ainda não leu, arme-se com os três volumes e parta para férias. Ainda por cima as edições portuguesas são pesadinhas, fazem exercício com os braços.