Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

luís soares

Blog do escritor Luís Soares

Sagas. Universos e outras maneiras de contar histórias.

Estreia hoje o segundo filme da série Star Trek realizado por J.J. Abrams e aconselho-o vivamente a todos. Porquê? Muitos motivos mas alguns demoram um pouco a explicar. Vamos lá.

Entre outras coisas dou (muito) ocasionalmente umas aulas sobre entretenimento digital, narrativas digitais e a maneira como o panorama criativo e económico do audiovisual tem evoluído sob a influência das tecnologias em rede, móveis e digitais de um modo geral. Nessas aulas, olhando para o panorama do box-office americano dos últimos anos, tem sido aparente a tendência hollywoodesca para a sequela, a prequela, o reboot, o franchise e outros palavrões que denotariam falta de criatividade.

O panorama, contudo, parece-me cada vez mais complexo do que essa análise simplista poderia levar a crer.

Steven Soderbergh, realizador capaz de fazer filmes muito pouco mainstream no estilo e conteúdo mas também de homenagear a tradição popular de Hollywood, fez em Abril um discurso no San Francisco International Film Festival coincidente com a sua decisão de abandonar o mundo do cinema. Queixava-se que a grande indústria americana do entretenimento, nomeadamente do cinema, era cada vez mais apenas uma questão de dinheiro, sendo que a palavra dinheiro aqui serve como eufemismo para um mundo dominado pelo Excel, essa omnipresente aplicação que decide o destino de filmes e de países. Curiosamente, apontava também para alguns dados interessantes.

In 2003, 455 films were released. 275 of those were independent, 180 were studio films. Last year 677 films were released. So you're not imagining things, there are a lot of movies that open every weekend. 549 of those were independent, 128 were studio films. So, a 100% increase in independent films, and a 28% drop in studio films, and yet, ten years ago: Studio market share 69%, last year 76%. You've got fewer studio movies now taking up a bigger piece of the pie and you've got twice as many independent films scrambling for a smaller piece of the pie. That's hard. That's really hard.

Este post, contudo, é mais sobre maneiras de contar histórias e menos sobre dinheiro.

A Writer's Guild of America escolheu recentemente o que considerou os cem programas de televisão mais bem escritos de sempre e é significativo que em primeiro lugar esteja Os Sopranos, considerado amplamente como seminal na nova tendência de grandes séries de televisão escritas com um arco narrativo de dezenas de horas. Essa tendência, aliás, começa a influenciar cada vez mais a distribuição, com o Netflix a investir no binge watching, lançando todos os episódios das suas séries originais ao mesmo tempo. Voltou a acontecer com a nova temporada e Arrested Development.

A força do argumento ou do texto em que ele se baseia é um dos pilares da nova era de ouro da televisão. O outro é perceber que as pessoas procuram 'envolver-se' com uma história para além dos limites tradicionais de 20 ou 40 minutos que costumava (e muitas vezes costuma ainda) durar um episódio. Os espetadores modernos, soterrados por mensagens de 140 carateres e vídeos de três minutos, procuram história de horas, universos para explorar, personagens mais trabalhadas, com quem se consigam identificar longamente. Ou odiar. Ou mudar de opinião a meio.

A chegada ao mundo do cinema destes novos criadores de entretenimento que compreenderam isso parece estar a dar um novo fôlego ao mundo de reciclagem e repetição de ideias que domina Hollywood. O universo Marvel começa a expandir-se de formas mais interessantes e criativas, há esperança para o Homem de Aço que estreia este ano e Star Trek está melhor que nunca (sim, cheguei lá finalmente).

J.J. Abrams consegue, num número de malabarismo notável, fazer filmes que respeitam, exploram, piscam o olho ao universo tradicional das séries de televisão e dos filmes originais, puxando ao mesmo tempo por um ritmo visual e frenético bem mais contemporâneo, satisfazendo o espetador informado e o novato deste universo. O filme consegue variar a sua escala do galático ao íntimo com à vontade e mais que isso, consegue fazer parte de uma narrativa que o antecede e, com toda a certeza, vai suceder. É uma peça de um puzzle que pode ser consumida só por si ou como parte de uma história maior. Todos os pormenores contribuem de forma útil para o conjunto e no fim fizemos mais uma viagem nas fronteiras do entretenimento de massa e do espaço.

Acredito que a capacidade para estabelecer ligações de sentido entre componentes de um mesmo universo, de fazer peças de maior ou menor duração que contribuam para o enriquecer, de dar ao espetador novas formas de se envolver e explorar os seus sentidos, inteligência ou sensibilidade, de lhe dar memória, tudo isto são pistas para o futuro do entretenimento. E é isso que acontece aqui. E não, não estou a falar de inovação ou arte, estou a falar de entretenimento de massas.

Mas que sei eu de crítica de cinema ou televisão? Foi só a minha costela trekkie a falar. Live long and prosper.