Olha Será que ela é moça Será que ela é triste Será que é o contrário Será que é pintura O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu Se ela acredita que é outro país E se ela só decora o seu papel E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha Será que ela é de louça Será que é de éter Será que é loucura Será que é cenário A casa da atriz Se ela mora num arranha-céu E se as paredes são feitas de giz E se ela chora num quarto de hotel E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz Me ensina a não andar com os pés no chão Para sempre é sempre por um triz Aí, diz quantos desastres tem na minha mão Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha Será que é uma estrela Será que é mentira Será que é comédia Será que é divina A vida da atriz Se ela um dia despencar do céu E se os pagantes exigirem bis E se o arcanjo passar o chapéu E se eu pudesse entrar na sua vida
Em 1985, Maria João não tinha ainda feito o seu percurso de experimentação vocal que a levou de Portugal aos Estados Unidos, a África e ao Brasil, em termos vocais, claro. Maria João é conhecida por ter participado como professora num concurso de televisão musical, pelos álbuns a dois com Mário Laginha, pelas inflexões particulares do seu estilo vocal e pelo regresso, este ano, a alguns standards do cancioneiro americano (entre outras coisas) sob a forma de "Chocolate".
É, contudo, em 1985 editado o primeiro álbum que me permitiu o contacto com ela e o primeiro contacto com o Jazz português. Para quem não tenha reparado, pelo trabalho de gente como o Sassetti, o Laginha, Carlos Bica, o Carlos Martins, a própria Maria João, editoras como a Trem Azul, o Jazz português está de muito boa saúde e produz regularmente novos talentos.
Voltemos a 1985 e ao álbum "Cem Caminhos" editado pelo Quinteto Maria João que incluia já o Mário Laginha e o Carlos Martins. Além de alguns standards (um notável "My Favorite Things" e um delicioso "Lush Life"), do tema que lhe dá o título e outros que não vêm aqui ao caso, "Cem Caminhos" inclui, musicados e cantados, dois poemas de Eugénio de Andrade.
Ouvir poesia portuguesa em forma de jazz foi para mim, primeiro em cassete, depois em CD, uma epifânia, um momento de paixão único pela palavra e pela música. Boa sorte para quem quiser encontrar a música, não acredito que seja fácil, mas deixo aqui o poema do Eugénio de Andrade.