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luís soares

Blog do escritor Luís Soares

O meu avô faz anos.

O meu avô materno faz hoje 97 anos.

A família não costuma ser chamada a este blog mas este ano é especial. O meu avô contava-me histórias e passeava comigo quando eu era um nico de gente. Cantava-me e brincava quando os meus avós ficavam no meu quarto em Lisboa, em casa dos meus pais, e eu os acordava quase de madrugada pelo prazer da sua companhia. Teimoso, encontrou sempre amigos nos sítios mais inesperados e restos de família em todo o lado. Nos anos 80 consegui pô-lo a jogar Match Day no meu velhinho ZX Spectrum. É uma das pessoas que me ensinou o prazer das histórias e as vantagens e desvantagens da irrequietude.

Por isso, quanto mais não fosse, estou-lhe agradecido para além do que cabe aqui.

Confissões e vocações.

Como sempre nestas coisas, começo pelo disclaimer, sou funcionário da Portugal Telecom. Dito isto, este post vem a propósito da fusão hoje anunciada entre PT e Oi. A Portugal Telecom assume sem margem para dúvidas (se ainda as houvesse), a sua vocação atlântica, lusófona, o que lhe queiram chamar.Ora isto, como acontece com estas coisas, pôs-me a pensar sobre o país, a sua história, o seu lugar no mundo e, para reduzir um bocadinho a escala, aquilo que a mim me move em particular.

Não é de hoje que Portugal é uma nesga de terra virada para o Atlântico, com o Mediterrâneo ao virar da esquina e a tentação europeia a chamá-lo por cima do ombro. Vivemos com estas três vocações a tentar despedaçar-nos. Antes de sermos país, o Mediterrâneo invadiu-nos, depois de uns séculos de magra tentação europeia virámo-nos para o Atlântico e demo-nos bem. Mas a riqueza deu-nos para o desperdício e as embaixadas com elefantes. Fomos para o mar mas queríamos era ser europeus. À lenta desagregação do projeto atlântico sucedeu a marginalização do projeto europeu por via de um bolorento "orgulhosamente sós". Chegámos tarde à Europa, comemos tudo o que nos deram como criança esfomeada que éramos e apanhámos com a crise na mesma medida em que nos tínhamos entregue. E espantamo-nos que quem tanto nos dava, agora tanto nos peça. Não há almoços grátis.

Perdoem-me o resumo cabotino acima mas o que eu queria dizer é que entre as empresas portuguesas, a Portugal Telecom é das poucas que percebeu que há que ser do mundo para ser inteiro. E há que ser inteligente ao fazê-lo. Ninguém nos leva a sério no norte do mundo? África continua o seu percurso difícil? Vamos então para o Brasil e em força. Seja. Parece-me um dos poucos caminhos que nos resta na globalização. E naquilo que conseguimos fazer, a hipótese de pertencer a algo maior que a nesga de terra.

A minha dúvida é mais pessoal. Cresci com a ambição da Europa e da civilização europeia, uma questão geracional e recorrente no país. Fui educado sobretudo na cultura do hemisfério norte e nunca cheguei a ser cidadão do mundo. Nunca viajei abaixo do equador. Apaixonei-me pela literatura anglófona, pela civilização ocidental e os seus cânones, a sua ambição, triunfo e decadência. Alguns piscares de olhos ao sul sempre dei, sobretudo por via da música. Mas por via da música, a todo o lado dou piscares de olho.

Sou muito português, nesta Lisboa sempre aconselhada a não ser francesa (ou inglesa ou catalã ou seja o que for). Nunca quis emigrar e tenho cada vez mais amigos emigrantes. Trabalho desde hoje numa multinacional com ambições globais. E pelo país, saúdo a lucidez do movimento. Por mim vou continuar a trabalhar, ler, escrever, ver filmes, ouvir música, estar com amigos onde quer que estejam. O resto logo se vê.

Mais publicidade descarada.

A Portugal Telecom (onde trabalho) contém, como diria o poeta, multidões. Entre essas multidões estão várias pessoas que editaram já livros de vários tipos. Nem todos serão escritores (eu próprio tenho dificuldades com a palavra) mas existem. Além disso, existem também, em espaços da empresa quatro bibliotecas para funcionários onde estes podem requisitar livros - são os Bookpoints.

Neste contexto, fui entrevistado a propósito de "Virá a Morte e Terá os Teus Olhos", de que podem fazer download no link mesmo mesmo aqui ao lado esquerdo. Fica aqui abaixo um vídeo e o texto da dita entrevista, conforme o meio que mais vos agradar.

Como se descreve enquanto escritor?
Sou um escritor em part-time porque faço outras coisas. Não vivo da escrita, nem a minha vida é 100 % dedicada à escrita. Intrinsecamente enquanto escritor, diria que sou um escritor de temas mais urbanos e contemporâneos. Há uma série de temas que perseguem os meus livros e que têm que ver com a identidade e com aqueles momentos na vida em que as pessoas têm de decidir o que são, o que não são e o que faz delas aquilo que elas são.


Quando e como nasceu o gosto pela escrita?
Diria que escrevo desde que sei, isto é, acho que mal aprendi a ler e a escrever comecei a escrever histórias. Por volta dos 10 anos já tinha pequenas histórias escritas e depois comecei a escrever mais a sério durante a faculdade. Foi nessa altura que as minhas histórias começaram a ganhar alguma coerência e consistência e a transformarem-se em livros.


Partilha o gosto pela escrita e tecnologia. Como concilia as duas áreas?
A escrita e a tecnologia estão cada vez mais a cruzar-se e uma apanhou a outra algures no percurso. Continuo a gostar muito de livros em papel e a ser um fetichista do livro, mas acho que a tecnologia está a ter um papel fundamental na distribuição dos livros e na forma como as pessoas leem, compram e usam os livros. E já tinha um papel fundamental na maneira como os livros são escritos. Desde que existem processadores de texto tornou-se mais fácil corrigir e a própria escrita tornou-se mais fluida e também mais fragmentada. Diria que a escrita e a tecnologia acabaram por se cruzar facilmente na minha vida.


Tem alguma fonte de inspiração?
A inspiração surge em qualquer momento. Geralmente, surgem-me frases em momentos inconvenientes como nos transportes públicos ou quando vou dormir. Mas acho que não há uma única fonte de inspiração. É tudo!


Quais são os seus escritores preferidos?
São bastantes. Gosto de ler e leio muito. É difícil enumerar escritores preferidos, mas leio mais literatura anglófona e, portanto, escritores ingleses e americanos. Leio todo o tipo de literatura e gosto muito de Don DeLillo, Richard Ford e Jonathan Franzen, por exemplo.


Fale-nos sobre as cinco obras que produziu?
O primeiro livro que escrevi foi o Aquariofilia, um livro mais de fim de adolescência e princípio da idade adulta com temas muito urbanos. É um livro que tem alguns elementos mais autobiográficos, embora todos acabem por ter. O segundo Os Adultos foi uma sofisticação desses temas e é o livro mais longo. Em reação a isso, Em Silêncio, Amor é um livro mais curto e simples. É o primeiro livro que não se passa em nenhuma cidade com nome específico, mas continua a ter os mesmos temas e começa a expressar também o meu gosto pelas artes e pela cultura, nomeadamente pela literatura. Nos dois livros seguintes - Regresso a Barcelona e Virá a morte e terá os teus olhos - há temas específicos, precisamente culturais. O primeiro é muito à volta do tema da música e o segundo em torno da fotografia.


Tem optado pela publicação dos livros também em formato online?
A opção pelo formato online é cada vez mais natural, quer em complemento ao papel, quer em edição exclusiva. Acho que a edição em eBook está nos seus primórdios, naquela fase em que emita o papel. Os livros leem-se da mesma maneira, os formatos são semelhantes e as pessoas querem ter a noção de que existem as páginas. Acho que são formatos que vão evoluir e vamos descobrir novas maneiras de escrever e de ler. Portanto, é natural para mim evoluir para esses formatos. Por outro lado, foi também uma opção que teve que ver com circunstâncias específicas - a não edição do último livro em papel -, por isso, decidi editá-lo, ser eu o meu próprio editor e divulgador e ver o que acontece. Acho que faz parte do futuro. O livro não vai morrer em papel mas vai existir de outras formas.


Pode fazer um pequeno resumo do livro Virá a morte e terá os teus olhos?
O Virá a morte e terá os teus olhos é uma biografia inventada de um fotógrafo. A história percorre grande parte do século XX, sobretudo a 2.ª parte, onde acho que a fotografia e todas as artes de imagem tiveram uma importância fundamental, até chegarmos ao dia de hoje em que quase tudo é imagem, qualquer pessoa diz que é fotógrafo e há milhões de fotografias tiradas todos os dias e como é que essa evolução teve consequências políticas, sociais, culturais e pessoais. Desde a primeira linha do livro, sabemos que este fotógrafo vai morrer em breve e, portanto, queremos descobrir porque é que ele morre, como é que ele morreu e como é que a vida dele o levou àquele ponto.

Aniversários.

Ontem fiz 40 anos. Recebi felicidades e desejos de parabéns pelo Facebook, com e sem links, por e-mail, por telefone, por SMS, ao vivo também e até... por carta. Este ano terei recebido, se não me falha a memória, três cartas e um postal. O que me lembra o "We Used To Wait" dos Arcade Fire - há exatamente um ano partilhei-o aqui.

A todos agradeço sinceramente, todos contribuiram para que sorrisse mais. Fiquei a pensar se a fama, pelo menos numa das suas múltiplas cabeças de Hidra, não seria como fazer anos todos os dias, com muita gente a felicitar-nos e a querer saber de nós. Felizmente que os aniversários, como a etimologia indica, são apenas uma vez por ano.

Ontem fez 40 anos o Pong, geralmente considerado o primeiro videojogo e que esteve em Portugal na Game On, uma exposição que decorreu já este ano também. Coincidências que têm algo (mas não muito) de interessante.

Hoje faz anos Marina Abramovic. Para ela, os meus sinceros parabéns (sim, eu sei que lês este blog, no teu português sem mácula). Hoje também, é o Dia de Las Librerias em Espanha, onde me encontro de momento. Outra feliz coincidência, eu diria. Há extensão para Portugal.

Por isso acho que vou agora ali ao Prado, depois ler um pouco, talvez acabar a comprar um livro ou outro.