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luís soares

Blog do escritor Luís Soares

Micro História - O Acidente

Tinha chovido toda a noite e madrugada e o mês anterior tinha sido de seca e vento. "Basta juntar água" foi a frase que lhe ocorreu quando sentiu o carro escapar-se, apesar de pisar o travão a fundo. Como sobre manteiga, a frente foi bater no carro da frente, fazendo-o também a ele deslizar uns metros.

Era de manhã cedo, mas apenas conseguiria chegar ao trabalho a horas se não houvesse imprevistos. Raramente dava margem para imprevistos na sua vida. Ainda estava ao telefone, avisando que chegaria atrasado, quando reparou que a condutora do carro em que batera choramingava sentada no seu lugar de condutora.

Sentou-se ao seu lado e certificou-se de que não estava ferida. Enquanto esperava pelo marido e pelo mediador de seguros, homens que tratariam do que havia a tratar, a senhora contou-lhe que tudo lhe corria mal recentemente.

Viajara de avião até um porto do Mediterrâneo para embarcar num cruzeiro de duas semanas. A companhia área perdera-lhe as malas e passara as duas semanas a força de desodorizante e roupa comprada no paquete a preços exorbitantes.

Na noite anterior mal tinha dormido, preocupada em pesadelos com a filha que se preparava para se separar do genro, apesar de terem uma criança de cinco anos apenas.

E agora um estranho batera no seu carro por trás.

Ele lembrou-se do avô que lhe costumava dizer, quando dois carros batiam assim no trânsito, "é um beijinho".

Pousou por isso os lábios muito ao de leve na face dela, já marcada pela idade.

Surpreendida, sorriu-lhe e ele achou-se uma boa pessoa.

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