Uma Paixão profana.
Estamos na Semana Santa e, no calendário católico, celebra-se a Paixão do Senhor, o relato dos seus últimos dias, da sua morte e ressureição. Não sou uma pessoa católica, nem sequer religiosa mas será que escrevi uma Paixão profana ou mesmo herética?
Para além do sofrimento físico, da morte, dos momentos de meditação, dos três dias em que se concentra parte da narrativa, de um eventual Gólgota, talvez até um bom ladrão e um mau ladrão, para além, dizia eu, destes fatores circunstanciais, é improvável que haja qualquer semelhança entre o que escrevi e a Paixão de Cristo. Há até indícios que me condenariam ao fogo dos infernos: guerra e violência, famílias destruídas, amores contranatura. Não sei.
A redenção ou a compaixão parecem-me pouco possíves nesta história de um mundo destinado a um apocalipse onde nem pela arte nem pelo amor as minhas personagens se poderão salvar. É o século XX em todo o seu esplendor.
Falo da arte porque a Paixão sempre me interessou muito mais como tema para a criação artística do que propriamente no sentido estrito religioso. Sou eu a falar ou o fotógrafo Leitz? Da turba polifónica a Bach, a Arvo Part, são muitas as paixões que me fascinam.
Houve um momento em que o livro esteve para se chamar "A Paixão de Josef Leitz". Paixão como sofrimento, paixão como pulsão incontrolável de corpo e alma, misto de agonia e prazer. Não sei é se seria paixão por alguém ou pela própria fotografia. Talvez se descubra no texto.
Há aliás toda uma parte do livro que leva o nome de "A Paixão" e um diálogo que tem lugar em Cuba e reza assim:
– Estás-me a dizer que não sabes o que é estar apaixonado?
– Estamos a falar da Paixão de Cristo?
– Não desvies o assunto, tonto.
– Eu gosto da Paixão como teatro, como poesia, como música Tenho... alguma dificuldade com o sentimento.
– Música, música, música... Gostas das Paixões de Bach?
– Música clássica é para burgueses.
– Barroca.
– Ou isso. Burguesa na mesma.
– Então mas de que gostas tu na Paixão?
– Gosto da história. É uma história romântica, um herói que se sacrifica por um ideal.
– Dito assim o Cristo parece quase um guerrilheiro. Um Che.
– E então? Estamos no sítio certo para falar dele. E eu conheci alguns guerrilheiros assim, em tempos.
– Mas tudo bem, aceito. A Paixão de Cristo, a Paixão de Che. A Paixão do Nazareno. A Paixão do Argentino. Sofrendo por ideais, morrendo por ideais. Verdadeiros heróis românticos. Então és romântico? Se és romântico, acreditas em paixões.
Abaixo ficam duas fotografias. Uma tirada por mim, de um Gólgota parodiado ou imaginado num céu de crepúsculo, outra de Ryan McGinley, um jovem Cristo de nome Jake, braços abertos em queda, sobre tons de outono. O outono que Josef Leitz sente chegar no princípio da história.
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