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luís soares

Blog do escritor Luís Soares

Clara no Metro

Quando era nova, apaixonei-me por um rapaz magro de ossos largos. Era alto, muito alto e desconjuntado, como seria de esperar. Vestia camisolas às riscas que lhe ficavam curtas nas mangas e revelavam os pulsos ossudos e pálidos, recobertos de uma leve penugem que eu adorava acariciar. Segurava-me ao pulso dele quando andávamos de metro e ele pendurava-se sem esforço nos varões. Eu tinha de me esticar e os meus dedos pequenos esforçavam-se por abraçar completamente esses pulsos que eu admirava.

Tinha bom coração e acabou comigo no dia em que ri de uma anã no metro, anafada e de pernas arqueadas como os cowboys dos desenhos animados. Foi como se ao troçar daquela figura, o exacto oposto do meu rapaz-cabide, troçasse também dele, troçasse de todos os que, de uma maneira ou de outra, escapavam da média. Ele jogava voleibol e passava o tempo a treinar e a ouvir música para piano, eu era só uma menina que mascava pastilha elástica e ambicionava ser jornalista.

Espantou-me a prontidão com que me despachou, porque passávamos as viagens de metro a comentar os circundantes em voz ciciada. Inventávamos histórias para os velhotes de óculos grossos e os miúdos borbulhentos, para as raparigas de rabo grande meneando-se ao som dos auscultadores nos ouvidos e para as mulheres quarentonas, elegantes e louras, com ar mais nórdico que português.

Mas aquela anã foi o momento em que fui longe de mais. E como é próprio da adolescência, o interruptor do seu amor magro e de ossos largos desligou-se e não mais pude sentir o seu abraço desconjuntado, não mais me pude segurar à sua figura esguia estendendo-se para o céu ou a luz amarelada do metro.

Lembrei-me disto hoje porque vi um rapaz quase igual a ele, no metro. Que eu me lembre, não tinha irmãos, mas podia jurar que existia parecença. Tantos anos depois, esse novo rapaz, magro e de ossos largos, de camisola às riscas e saco de desporto ao ombro, fez-me ter saudades de quando passava mais tempo a andar de metro e a pé, pela cidade nocturna.