Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

luís soares

Blog do escritor Luís Soares

Sobre a Gaiola Dourada

Primeiro as referências. Não li o texto do Miguel Esteves Cardoso sobre o filme, muito menos o do Abominável César das Neves (este nunca leio, por questão de higiene mental) mas li o do Daniel Oliveira em resposta ao segundo.

Em segundo lugar, as qualidades cinematográficas, em abstrato, do filme. É uma comédia de costumes, de famílias e vizinhos, bem escrita, bem interpretada, escorreitamente filmada. O cenário é Paris e um pouco do Vale do Douro, fotogénico por excelência. A banda sonora não está mal, o resultado é um entretenimento médio, sólido, umas gargalhadas que descontraem. Um filme do género nem-se-passou-mal-esta-hora-e-meia.

Em terceiro lugar, saí da sala de cinema e disse "eu gostava mais deste filme se não fosse português". Não acho que os portugueses sejam maltratados ou alvo de troça tonta, de alguma forma. Há uma certa ternura. Acho aliás que algum do efeito humorístico é piscadela de olho só para portugueses e maltrata, eventualmente, mais os franceses. O meu problema não era esse.

O meu problema era um retrato dos portugueses "pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes", um povo sem grandes ambições, dominado pelo fado e pelo futebol, à espera de ser salvo da sua condição por um qualquer milagre. Um povo condenado a fazer um dia-a-dia o-melhor-que-se-consegue ao serviço de alguém. E, na trama do filme, a salvação desta condição, é "ex machina". Não advém do esforço de ninguém, não é uma recompensa direta por determinada ação, vem de fora: é uma herança, um euromilhões, um salvador, uma padeira de Aljubarrota, um herói, um Ronaldo, uma revolução, um Sebastião. Já estou a rimar, não tarda nada também canto o fado.

Depois pensei mais um pouco. E percebi que o problema não era português. Que aquele não era sequer um filme sobre portugueses. Era um filme sobre pobres que trabalham para ricos. Podia passar-se nos Estados Unidos com mexicanos, na Alemanha com turcos, em Portugal com cabo-verdianos eventualmente. É só trocar a música, trocar os heróis do desporto, corrigir as ementas e os palavrões, apurar os trocadilhos e servir da mesma maneira. Acontece apenas que, no estado do mundo, tirando vá, um ou outro momento da nossa história, Portugal sempre esteve do lado dos pobres.

O problema do filme de Ruben Alves, do ponto de vista político, no sentido nobre da palavra, e visto que aí chegamos agora, é que mistura na sua salada a resignação, a luta diária e a hipótese de algo melhor. Mas essa hipótese, ainda e mais uma vez, é algo que vem de fora, algo que não depende de nós, algo pelo qual temos de esperar ou, para quem é disso, rezar. E se houver oportunidade... fugir. E isso entristeceu-me nesta comédia.

7 comentários

Comentar post