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luís soares

Blog do escritor Luís Soares

A propósito da fotografia do Ryan.

Em tempos, havia duas maneiras de fotografar pessoas, ou elas davam por isso, ou não. Fotografar era um processo complexo e demorado, envolvendo tecnologias físicas e químicas, mais que isso, era um processo caro e o negativo, sobretudo para o principiante, tinha um valor precioso, podia estragar-se, podia desperdiçar-se.

O resultado deste labor custoso não era visível imediatamente e implicava um laboratório, um processo de revelação, uma mística do negativo versus positivo, da ampliação, do aparecimento da imagem no papel. Hoje não.

A digitalização do processo fotográfico implicou duas coisas (pelo menos): uma drástica redução dos custos envolvidos e uma simplificação do processo que o tornou praticamente instantâneo. Passámos a poder tirar quantas fotos quiséssemos, sem medo de "estragar o rolo", sem medo de "ficar mal", o verdadeiro império do instantâneo nasceu.

Efeitos secundários? A morte da Polaroid, a overdose de imagens (sobretudo as tiradas por turistas - quantas fotos existem hoje da Torre Eiffel, alguém sabe?), a banalização da fotografia até limites impensáveis e a transformação do processo fotográfico tradicional em algo de artesanal, devidamente valorizado.

Desconheço em profundidade o processo de trabalho de fotógrafos como Wolfgang Tillmans, Ryan McGinley, Larry Clark e é, em muitos casos, abusivo da minha parte partir do princípio que a digitalização faz parte desse processo. Aquilo de que quero falar é da maneira como os seus modelos surgem na imagem.

Desfocados, em movimento, de repente, em contra luz, sem se importarem, inconscientes da presença da objectiva ou mesmo plenamente conscientes, mas, ainda assim, absolutamente indiferentes à sua presença. A imagem tem uma intimidade despreocupada, tem um à vontade que, em grande parte dos casos, é a nudez que melhor transmite.

Nestas fotos não estamos a fotografar a nudez, estamos a usar a nudez para demonstrar a intimidade, para demonstrar o seu valor de ligação, de relação. Não estamos à procura do enquadramento perfeito, de ter tudo lá dentro de acordo com uma regra de ouro, mas sim de percebê-lo pelo seu valor de instantâneo, quase aquilo que se vê pelo canto do olho quando estamos com alguém.

Esta maneira de fotografar e, sobretudo, de ser fotografado, ela sim, pertence a uma idade digital, de hiper-abundância das imagens, de cumplicidade total com todas as formas de representação imagética de nós próprios e dos nossos corpos. São assim, estes modelos.