Quinta das Canções #1 - Foi por Ela / Letra e Música: Fausto Bordalo Dias
A Quinta das Canções é a nova proposta de André Santos e Salvador Sobral. Todas as quintas-feiras os dois músicos e amigos tocarão um tema da sua preferência, destacando canções que os inspiram. Esta é uma forma despretensiosa mas muito afectiva, em que André Santos e Salvador Sobral decidem homenagear os seus afectos, admirações e influências musicais. De espírito livre e sem regras. É assim a música.
O barco vai de saída Adeus ao cais de Alfama Se agora eu vou de partida Levo-te comigo ó cana verde Lembra-te de mim ó meu amor Lembra-te de mim nesta aventura P'ra lá da loucura P'ra lá do Equador
Ah mas que ingrata ventura Bem me posso queixar da Pátria a pouca fartura Cheia de mágoas ai quebra-mar Com tantos perigos ai minha vida Com tantos medos e sobressaltos Que eu já vou aos saltos Que eu vou de fugida
Sem contar essa história escondida Por servir de criado a essa senhora Serviu-se ela também tão sedutora Foi pecado Foi pecado E foi pecado sim senhor Que vida boa era a de Lisboa
Gingão de roda batida corsário sem cruzado ao som do baile mandado em terra de pimenta e maravilha com sonhos de prata e fantasia com sonhos da cor do arco-íris desvairas se o vires desvairas magia
Já tenho a vela enfunada marrano sem vergonha judeu sem coisa nem fronha vou de viagem ai que largada só vejo cores ai que alegria só vejo piratas e tesouros são pratas, são ouros, são noites, são dias
Vou no espantoso trono das águas vou no tremendo assopro dos ventos vou por cima dos meus pensamentos arrepia arrepia e arrepia sim senhor que vida boa era a de Lisboa
O mar das águas ardendo o delírio dos céus a fúria do barlavento arreia a vela e vai marujo ao leme vira o barco e cai marujo ao mar vira o barco na curva da morte e olha a minha sorte olha o meu azar
e depois do barco virado grandes urros e gritos na salvação dos aflitos estala, mata, agarra, ai quem me ajuda reza, implora, escapa, ai que pagode reza, treme, heróis e eunucos são mouros são turcos são mouros acode!
Aquilo é uma tempestade medonha aquilo vai p'ra lá do que é eterno aquilo era o retrato do inferno vai ao fundo vou ao fundo e vai ao fundo sim senhor que vida boa era a de Lisboa
João Botelho filma a extraordinária Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e ainda por cima vai usar música do Por Este Rio Acima do Fausto. Quero tanto. Se tudo correr bem, ainda estreia este ano.
Direção Antena 3: Nuno Reis, Henrique Amaro e Luís Oliveira Músicos: David Santos Autoria: Noiserv Realização, fotografia e edição: André Tentugal Produção: Joana Cordeiro e João Brochado Assistente de Produção: Margarida Sá Coutinho Operadores de Imagem: André Tentugal, Luís Cardoso e Vasco Mendes Maquilhagem: Maria Fontes Make up Grafismo: Tiago Tobias Gravação áudio: João Brandão, Cláudio Tavares e Miguel Pereira Assistente de Gravação: Luís Neto Mistura: Cláudio Tavares Masterização: Miguel Pinheiro Marques no SDB Mastering Studio Coordenação Geral: Henrique Amaro Produtora Delegada RTP: Ana Paula Velez
Piano e vozes: Vicente Palma Coro: Rui Berton, Pedro Martinho e Miguel Fonseca
Vídeo e montagem: Rui Berton
O Fausto é um dos nossos Grandes, uma lenda viva e uma referência musical fundamental para mim.
A propósito do 40º aniversário do 25 de Abril, fui convidado para participar n' "Os Dias Cantados", iniciativa da Antena 1. Escolhi a "Como Um Sonho Acordado", do Fausto, e entreguei-me por completo. É fácil quando estamos a falar do melhor que a música portuguesa tem para nos dar.
O Fausto tem uma forma muito própria de fazer coros: no caso desta música, pedi à minha banda que viesse cantar comigo este refrão (se é que assim o podemos apelidar) tão negro e tão belo. Hei-de voltar ao "Por Este Rio Acima"...
Como se a Terra corresse Inteirinha atrás de mim O medo ronda-me os sentidos Por baixo da minha pele Ao esgueirar-se viscoso Escorre pegajoso E sai Pelos meus poros Pelos meus ais Ele penetra-me nos ossos Ao derramar-se sedento Nas entranhas sinuosas Entre as vísceras mordendo Salta e espalha-se no ar Vai e volta Delirante Tão delirante É como um sonho acordado Esse vulto besuntado A revolver-se no lodo A deslizar de uma larva Emergindo lá ao fundo Tenho medo, ó medo Leva tudo, é teu Mas deixa-me ir
Arrasta-me à côncava funda Do grande lago da noite Cruzando as grades de fogo Entre o Céu e o Inferno Até à boca escancarada Esfaimada Atrás de mim Atrás de mim É como um sonho acordado Esses olhos no escuro Das carpideiras viúvas Pelo pai assassinado Desventrado por seu filho Que possuiu lascivo A sua própria mãe E sua amante
Meu amor quando eu morrer Ó linda Veste a mais garrida saia Se eu vou morrer no mar alto Ó linda E eu quero ver-te na praia Mas afasta-me essas vozes Linda
Tens medo dos vivos E dos mortos decepados Pelos pés e pelas mãos E p´lo pescoço e pelos peitos Até ao fio do lombo Como te tremem as carnes Fernão Mendes
Tenho andado a ouvir o "Em Busca das Montanhas Azuis" do Fausto Bordalo Dias, um dos grandes discos do ano passado.
De "Por este rio acima" a "Crónicas da terra ardente" foram doze anos e tivemos de esperar mais dezassete pela conclusão da trilogia que Fausto baseou na "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto. E a música traduz perfeitamente essa aventura, espanto e sedução da descoberta. Não há a limpidez cega dos heróis aqui, mas sim homens comuns, um olhar aberto sobre o mundo, uma voz ainda firme, inteligência e variedade musical. Tudo em Fausto nos devolve o encanto que sempre reconhecemos na sua música, levando-nos ainda um pouco mais longe.
Sempre gostei de História e sempre achei a História e a memória que implica fundamentais para a definição do que somos e do que seremos. Sempre que ouço o Fausto, fico a pensar em como é triste não termos uma versão em cinema ou televisão desse grande livro de aventuras, cru e moderno, que é a "Peregrinação".
A isto junta-se a notícia de que o ICA está sem dinheiro para financiar o cinema e a DGArtes não tem dinheiro para financiar a criação artística. É claro que o próprio Secretário de Estado da Cultura não é grande crente no papel do Estado e acha que o património é mais coisa turística. Que memória ficará destes anos? A Casa dos Segredos? Telenovelas? Concursos? Futebol? Os dez programas mais vistos na televisão portuguesa o ano passado foram jogos de futebol.
Até a CIA, que há-de perceber tanto de arte como eu da vida sexual das abelhas, percebeu a importância de apoiar a arte contemporânea, de estimular o seu desenvolvimento e presença. Nós continuamos a contar trocos e a não perceber em que estamos afinal a investir.
Parece que estamos condenados a um futuro sem memória, logo sem história, sem passado e por consequência, sem presente e sem futuro. Tudo isto me deprime.
Vou só ali ver mais uma vez as magníficas fotografias de Tony Gleaton sobre a herança africana nas Américas. Está mesmo disponível integralmente um número da revista Contact Sheet dedicado ao seu trabalho. Abaixo, dois exemplos. Primeiro El Amado de Afrodita - El Ciruello, Oaxaca, Mexico, 1990 e de seguida Un Hijo de Yemaya - Hopkins, Belize, 1992.